
Massacre de Eldorado dos Carajás: reviver o 17 de abril em defesa do território

Euzamara de Carvalho
Pesquisadora em Direitos Humanos. Integra o Setor de Direitos Humanos do MST, Secretaria Nacional do Instituto de Pesquisa, Direito e Movimentos Sociais - IPDMS, Membro da Executiva da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia - ABJD
A data alusiva ao Dia Internacional da Luta Camponesa - 17 de Abril, se constitui como um marco de reafirmação e fortalecimento da luta pela terra. Sua promulgação se deu mediante a brutalidade do assassinato de 19 camponeses sem terra - denominado Massacre de Eldorado dos Carajás, que ocorreu em 17 de abril de 1996 no município de Eldorado dos Carajás, no sul do Pará, Brasil decorrente da ação de remoção forçada das famílias acampadas na região que se encontravam em marcha como protesto contra a demora da desapropriação de terras, principalmente as da Fazenda Macaxeira.
A história do Brasil é marcada pela grande concentração fundiária que tem como base o modo de produção capitalista predominante na sociedade. “A opção das elites brasileiras por uma estrutura fundiária nos moldes capitalistas deu causa à exclusão dos camponeses e fez necessária a luta pela posse da terra desde os tempos da colonização”. Com o passar do tempo, os trabalhadores, os dirigentes, começaram a entender que a proposta da legislação do reconhecimento da organização sindical era contrária ao objetivo da organização, então começaram a desfazer todo um processo imposto pelo governo Getúlio Vargas. A organização sindical, de fato, tinha o papel de apresentar as suas demandas junto ao governo, de reivindicar, de pressionar o governo, e não de fazer o papel do governo.
O percurso de resistência das lutas dos povos da terra e do território é marcado pela violência do latifúndio que se perpetua até os dias atuais. Cenário denunciado na luta cotidiana dos povos da terra e território e registrado ao longo do trabalho das organizações que se desafiam na reconstrução da memória dos lutadores/as que tombaram na luta e na denúncia das formas de violência no campo e as causas da impunidade.
De acordo com dados do Instituto IELA, foram 2.507 camponeses e indígenas assassinados por motivo de conflitos agrários entre 1964 e 2016. Dialogando com os dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT), entre os anos de 1985 e 2017, a CPT registrou 1.438 casos de conflitos no campo que ocasionaram o assassinato de 1.904 vítimas, dentre os quais trabalhadores/as rurais, indígenas, quilombolas, posseiros dentre outros. No registro de dados da CPT de 1985 até os dias atuais ocorreram 49 massacres que vitimaram 230 pessoas no campo em dez estados brasileiro.
Elucidar o dia 17 de Abril como dia Internacional da Luta Camponesa possibilita resgatar a memória das resistências e dos lutadores e lutadores que tombaram na luta e denunciar a perpetuação da violência no campo. Como também é o momento de reafirmar que a luta em defesa da terra e do território é uma luta comprometida com a vida em equilíbrio com os bens da natureza. Conforme declarou o saudoso Dom Tomás, co-fundador da Comissão Pastoral da Terra, “Esse dia lembra a força da caminhada dos trabalhadores do campo, que se arrasta desde Zumbi dos Palmares até os dias atuais da história do Brasil. A luta pela Reforma Agrária não é questão de conseguir apenas um pedaço de chão, mas de mudar o país. Ela é profunda, ampla e de mudanças”.
Pandemia - A gravidade do atual momento que enfrentamos de crise econômica, humanitária, sanitária e ambiental com a deflagração da pandemia do Covid-19, com tamanho impacto no mundo, provocara novas formas de reorganização das relações econômicas, humanas e sociais com objetivo de superação da crise e o combate ao vírus. A sinalização desse cenário grave e angustiante tem provocado formas de reinvenção de hábitos e de valores que sinalizam para uma vivencia mais solidária que extrapola a situação de isolamento que é imposta como prevenção para o não aumento do contagio do vírus.
No entanto tem uma questão central que é o acesso ao direito a alimentação em tempo de pandemia. Em meio ao cenário de crise aumenta os riscos de vidas das populações pobres e marginalizadas do campo e da cidade que enfrentam a situação de desigualdade social e não tem comida para sua sobrevivência. Diante disso a luta pela Reforma Agrária Popular é evidenciada como projeto urgente e necessário a sobrevivência humana no campo e na cidade. O cultivo coletivo da terra, o compromisso com a produção de alimentos para a vida se expressa como ação essencial para reconstrução de valores humanista e de solidariedade.
Soberania Alimentar - A produção de alimentos saudáveis com base nos princípios agroecológicos que materializam o cumprimento da função social e ambiental da terra nos espaços de vida é uma ação extremamente necessárias para enfrentar a crise e impedir que as populações passem fome. Ao mesmo tempo em que permite avançar na conscientização política e ambiental sobre a necessidade de projeção da vida em equilíbrio com os bens da natureza.
E é nesse sentido que o MST tem se realizado na atual conjuntura, no incentivo a produção e na partilha dos alimentos produzidos expressos em atos de compromisso e de solidariedade com o conjunto da classe trabalhadora. Reafirmando o movimento como sujeito coletivo que demanda, formula e contribui efetivamente na construção e luta pela garantia dos Direitos Humanos, com ênfase no direito humano a alimentação e as outros bens que tem como princípio o convívio com os bens da natureza e o compromisso de produzir alimentos saudáveis para alimentar a população em geral.
Reviver o 17 de Abril na atual conjuntura é homenagear os lutadores/as e lutadores do Massacre de Eldorado do Carajás . É fortalecer o compromisso com a vida e com a marcha em defesa da terra e do território.
Texto publicado originalmente no jornal Brasil de Fato