
Santa Luzia, rogai por nós!
Willian Vinicius

Santa Luzia, protegei meus olhos e conservai minha fé. Amém. Assim, termina a oração à protetora dos olhos segundo a igreja Católica. Na grande maioria dos movimentos sociais, uma grande aliada nas batalhas é a fé. E, na luta por terra, não é diferente. O Varjão foi conquistado e, na caminhada, Santa Luzia, para esta vertente cristã, esteve sempre presente e tem uma capela no assentamento em sua homenagem.
Sr.Geraldo, um dos coordenadores e principais líderes da ocupação é devoto à santa que protege os olhos dos fiéis. Mas isso não é por acaso. Vindo de uma família muito católica, ele sempre teve apreço e admiração pela santa. Mas foi já em Goiás que ele, passou por um problema complicado de visão, o que colocou à prova sua fé e o fez ficar cada vez mais próximo dela.
Em 1975, Seo Geraldo teve um caso grave de quemose, acúmulo de líquido ao redor do olho (inchaço da conjuntiva, tecido que cobre as pálpebras e a superfície branca) dificultando assim a visão. Geralmente não é grave, mas neste caso, era e existia, inclusive, o risco de perder a visão. Trabalhando em fazendas e já com o sonho de conquistar um pedaço de terra pela reforma agrária, ele teve mais esta barreira colocada pelo destino à sua frente.
Mesmo podendo não enxergar mais, à fé foi não foi abalada e Sr.Geraldo fez uma promessa. Se conseguisse se curar, rezaria todos os anos um terço em homenagem a santa, no dia 13 de dezembro. O milagre ocorreu. Sr.Geraldo não perderia a visão. Cumprindo assim o voto de fé, ele puxa, desde então e todos os anos, a reza de um terço em homenagem à padroeira dos olhos, no caso.
Batalha vencida, ele conservava a fé e sentia que ainda poderia ser mais grato à santa que lhe permitiu continuar enxergando. Sendo assim, ele disse à sua companheira, Dona Ormezinda, enquanto sonhavam e planejavam a ocupação de terras, “o dia que eu conseguir uma parcela de terra, vou construir uma igreja em homenagem à Santa Luzia.” Mais uma promessa feita, e essa se realizaria com a conquista do assentamento.
Realização da promessa - Em 2000, a terra foi ocupada. Começava ali a história do assentamento Varjão. Os primeiros anos foram de incertezas e planejamentos com poucos recursos, mas Sr.Geraldo não deixava de organizar a reza, coletiva, do terço e não tinha esquecido de sua promessa caso conquistasse sua parcela de terra. Os terços eram, então, rezados na casa que ele e sua esposa construíram quando entraram na fazenda.
Após alguns anos de ocupação já organizada, Sr.Geraldo começaria a realizar sua promessa. No princípio, queria construir a capela na sua própria parcela, mas Valdir, companheiro de luta desde os tempos de lona, que era muito católico, preferiu chamar todos os outros moradoras/es católicos/as do Varjão, para que, assim, a capela fosse construída na área social do acampamento ( onde existe, também, um templo evangélico ). Todas/os concordaram com a ideia e a capela foi sendo construída de maneira comunitária, com a ajuda de todos, assim como a fé cristã ensina.

Parte de quem contribuiu para a construção da igreja. (Foto: Willian Vinicius)
A construção da capela, começaria em 2013. Vários mutirões foram feitos pelos próprios moradores. Com essa ajuda, o alicerce foi realizado, doações de tijolos, telhas, bancos. Com a liderança do Valdir, construtor e assentado, todas/os ajudaram também a por “mão na massa”. Cada tijolo colocado teve a ajuda de cada uma das famílias católicas do Varjão. A notícia que a capela estava “tomando corpo” corria e com apoio de Dom Carmelo, da diocese de São Luís de Montes Belos, teria um poço e uma caixa d’água.
E o caminho da construção foi assim, com a ajuda comunitária e um passo de cada vez. A obra ficaria pronta no dia 15 de dezembro, do ano passado. Mas com a inauguração da capela, veio também um acontecimento triste. Valdir, que ajudou em todo o processo de construção, faleceu. “Talvez fosse uma das missões dele, ajudar o companheiro de luta a cumprir a sua promessa. A igreja estava de pé e a memória do Seu Valdir não vai ser esquecida.” - comenta
A celebração em homenagem à Santa Luzia era comemorada, no Varjão, inclusive nos anos que a capela estava em construção em forma de grande festa, feita pelos moradores, em que participam os assentamentos, Lagoa da Serra, Comunidade Alcalina e a cidade de Caiapônia. Em 2019, a festa foi especial, pois na inauguração da capela contou com: shows, bingos, sorteios e um grande jantar que reuniu cerca de 200 pessoas. Tudo isso, assim como na construção, feito com a ajuda coletiva de fiéis. O terço, como de costume, foi rezado, também, na casa de Sr.Geraldo e Dona Ormezinda.

A capela, no seu interior. (Foto:Willian Vinicius)